Exagero e Consistência de Disgaea

Disgaea é uma daquelas franquias que, ou você ama, ou você odeia.

Eu mesmo, durante muito tempo, não suportei esse jogo. Demorei bastante para, finalmente, me dar a oportunidade de conhecer essa série.

Isso se deve muito ao fato desses títulos serem regados pelo exagero extremo, em cada aspecto do jogo. Tudo é exagerado propositalmente. Tudo é paródia.

Essa característica de agregar humor na história, nos personagens e até mesmo na própria mecânica, é o principal motivo dessa franquia continuar no limbo do seu próprio nicho.

Eu digo "limbo do seu nicho", mesmo sabendo da recente marca alcançada de 5 milhões de unidades vendidas em todo o mundo, considerado toda a franquia. É óbvio que, querendo ou não, mesmo muitos fãs de rpgs táticos torcem o nariz para Disgaea.

Com histórias completamente leves e satíricas, personagens caricatos, e habilidades exageradas, além da possibilidade de chegar a números absurdos -o nível máximo possível é de, acredite, 9.999, com a possibilidade de "renascer" os personagens, permitindo que eles fiquem ainda mais fortes-, fazem esse título ficar distante das áreas do mainstream dos rpgs.

Olha o dano dessa bagaça...

Veja bem, é realmente complicado sair de uma experiência magnífica e sólida de um Final Fantasy Tactics e partir para algo leve e despretensioso como Disgaea.

E esse foi, justamente o meu caso.

Após terminar um dos melhores jogos que já joguei na vida, o Final Fantasy Tactics, fiquei órfão de um rpg tático tão consistente quanto ele. O meu gosto por grinding era o principal impeditivo: não conseguia me apegar tanto a Fire Emblem, por exemplo. Uma história marcante e personagens cativantes me afastaram um pouco de Tactics Ogre que, ao meu ver é bem divertido, mas não me capitou tão bem quanto a saga de Ramza e Delita.

As próprias continuações de FFT não eram, nem de perto, tão boas quanto o clássico. Óbvio, elas eram apenas spinoffs, o que as mantiveram ainda mais distantes de seu título original.

Disgaea, no entanto, conseguia ser um jogo diferente de todos os outros, porém mantendo aspectos principais do gênero.

Sim, Disgaea é completamente despretensioso, mas possui em suas mecânicas bastante solidez. Tudo é bizarramente incoerente, mas consegue se encaixar de forma excepcional.

É estranho ter que entrar no senado e pagar propina aos senadores para que eles votem e permitam você liberar uma nova classe, ou criar um personagem com certo bônus nos status. É igualmente estranho poder entrar no mundo de cada item, derrotando monstros e passando de fase, para que esse item fique mais forte. É bizarra toda a mecânica de Geo Symbols, ou a existência de pinguins falantes que explodem caso você os jogue longe.

Tudo isso é estranho, porém se não existissem, seria como se "faltasse alguma coisa", sabe?

Essas bizarrices são, justamente, a identidade do jogo. É estranho, porém divertido experimentar cada uma dessas mecânicas.

E, por mais que, com tudo que eu disse, não pareça, mas o grinding massivo de Disgaea é o ponto que mais me pegou.

A solidez está em como todas essas mecânicas se complementam e, juntas, formem uma gameplay interessante. O grinding, por sua vez, não é essencial. Você não precisa chegar ao nível 9.999 para terminar o jogo, mas é uma opção que aumenta consideravelmente o tempo da jogatina.

Tudo nesse jogo pode subir de nível: os personagens, cada habilidade de cada personagem, os itens, equipamentos e armas. São muitas opções de grinding que agregam ao gameplay de forma incomparável.


Por mais que a grande qualidade de Disgaea esteja na gameplay, não podemos deixar de falar de sua mitologia.

Basicamente, o jogo se passam no "submundo", onde existem diversos Netherworlds. Cada Netheworld possui um Overlord, algo como um "rei do mal".

Cada título da franquia utiliza essa premissa como pano de fundo do desenrolar das histórias. Passeando bastante entre o submundo e o que seria o "mundo real", digamos assim.

No primeiro título, original do Playstation 2, controlamos Laharl, filho do rei Krichevskoy, Overlord do Netherworld. Após acordar e descobrir que seu pai estava morto, ele segue em sua jornada de derrotar outros Overlords que almejam alcançar o seu trono.

Já em Disgaea 2, controlamos Adell, um jovem humano que viu o Overlord Zenon jogar uma maldição nos humanos, o que os fez se transformar em monstros aos poucos, com exceção do próprio Adell. Acontece que ele, juntamente com sua família, decidiram invocar o Overlord para derrotá-lo, com o objetivo de acabar com essa maldição. Nesse processo, eles acabaram invocando a sua filha, Rozalin, que agora busca voltar para seu lar, enquanto tenta frustrar os planos de Adell.

Não dá pra negar que o Valvatorez
é um baita de um personagem badass.
Todos os títulos seguem nessa premissa de humanos e demônios, vampiros e lobisomens, e outros tipos de criaturas clássicas de rpg.

É óbvio que tudo isso ocorre da maneira mais galhofa possível. Piadas acontecem uma atrás da outra, enquanto os eventos e o desenrolar da história vão acontecendo.

O cast de personagens, independente do título, nunca me pareceu tão interessante. Claro, não jogo Disgaea pela história, mas nem sempre é fácil se conectar com eles. Eles parecem sempre tão distantes. Uns são criaturas super poderosas de milhares de anos, enquanto outros são protagonistas de um shounen genérico.



Graficamente, não dá pra dizer que Disgaea seja lá um exemplo de beleza. Os primeiros jogos, principalmente, eram bem simplistas nesse sentido. Após o Disgaea 4, a substituição de sprites pixelados por sprites em alta definição deram uma boa rejuvenescida na série, o que não significou que tenha trazido algo inovador, apenas que a franquia não possuía mais gráficos tão datados.

Com os cenários em 3d, e sprites pixeladas, normalmente com uma baixa resolução, essa foi uma das principais críticas aos títulos em seus lançamentos.

Porém, o lado artístico da franquia é um caso a parte. Dá pra reconhecer de longe os traços de Disgaea, simplesmente magníficos. Cada personagem possui sua própria personalidade, apenas com o design. Essa parte é bem mais evidente a partir do quarto título, justamente pela melhora visual dos personagens.

Disgaea 6, entretanto, trouxe, pela primeira vez, o 3d total aos personagens dos jogos. Particularmente eu não gostei tanto assim. Por mais que a ideia dos personagens seja, justamente, passar um ar mais cômico e leve, da pra ver que eles têm um ar até mesmo badass. No sexto título, eles parecem fofos de mais, e isso fica ainda mais estranho em saber que umas das principais características artísticas da franquia são as pitadas de ecchi no design de várias personagens. Isso misturado com um estilo mais infantil fica, digamos, bizarro... Não o bizarro disgaeano, apenas bizarro...

A parte musical de Disgaea também nunca foi seu forte. Eu gosto sim, das músicas, mas elas são bem limitadas e repetitivas. A maioria passa um ar cômico, enquanto outras passam um ar de tensão, em momentos tensos, porém não são daqueles tipos que você vai comprar um disco de original soundtrack e guardar na sua estante junto com o disco de Persona, por exemplo. Elas estão lá, até o momento em que você enjoa, coloca no mudo, bota um fone de ouvido e vai escutar as suas músicas enquanto grinda no item world.

Item world esse que, falando exclusivamente de Disgaea 2, de PSP, a versão que mais joguei, as músicas simplesmente param de tocar em certo ponto, mostrando que até os desenvolvedores entendem o quanto irritante se torna escutar a mesma música durante quinze ou vinte níveis, repetidamente.


Enfim, Disgaea é um ótimo título. Para você que está na abstinência de um bom título de rpg tático, está aí um ótimo jogo.

Tente ignorar as bizarrices no começo que, com o tempo, você se acostuma. Será uma experiência única, eu garanto.

Não espere um novo Final Fantasy Tactics. Tirando certa semelhança no sistema de classes, além do óbvio estilo de batalha em um tabuleiro, característica principal do gênero, Disgaea se comporta muito mais como uma sátira ao estilo, do que um jogo massivo e denso.

Nenhum comentário