Radiant Historia: O que você faria se tivesse uma segunda chance?


Com o passar dos anos após a famigerada era de ouro dos RPGs e, principalmente, dos JRPGs, que perdurou entre as gerações do Super Nintendo, Playstation 1 e Playstation 2, o gênero sofreu uma severa decadência. Dificilmente novos títulos conseguiam trazer boas inovações ao estilo, o que causou uma defasagem e, ao que alguns consideram, a morte dos JRPGs.
Desde Final Fantasy 12, que trouxe uma grande alteração no que se refere à mecânica, principalmente de batalha, a, talvez, principal franquia de RPGs japoneses, foi possível identificar os novos rumos que o gênero seguia.


Após o PS2, pouquíssimos títulos baseados em turnos surgiram. A crescente popularidade do RPG ocidental, encabeçado principalmente pelo lendário Skyrim, além do ótimo The Witcher 3, em adição a implementação de mecânicas comuns como sistema de níveis, ou upgrades em habilidades, em títulos como os recentes Assassin's Creed, criaram quase que uma barreira para que o clássico e, visivelmente antiquado, sistema baseado em turnos voltasse a seus gloriosos momentos.

Para se utilizar uma mecânica tão explorada, que acabou se tornando datada, de fato, seria necessário alguma inovação que, ao mesmo tempo fosse divertida para quem está jogando, e evoluísse o conceito de estratégia, já presente até então.

Nesse contexto, Radiant História, um título completamente ambicioso da Atlus, lançado em 2010 para Nintendo DS e, posteriormente, em 2017, lançado um "remaster" para o 3DS, sob o subtítulo de "Perfect Cronology", surgiu.


A Atlus, diga-se de passagem, que constantemente traz títulos que visam rejuvenescer a categoria, sempre tem um olhar bastante amplo para criar e modificar suas mecânicas de batalha.

A título de exemplo, podemos citar Persona, que mesmo após tantos anos, cresce sua relevância cada vez mais, mesmo mantendo as batalhas por turnos, apesar de sempre as renovando.


É óbvio que, querendo ou não, Radiant História já tem os seus dez anos de lançamento, mas mesmo na época, o conceito de RPG clássico já estava bastante envelhecido.

E aí podemos citar o grande trunfo da equipe de desenvolvedores para esse título tão especial: uma reformulação completa na mecânica e na estratégia das batalhas.

A primeira vista, o grande destaque do título vai para sua mecânica de batalha. Radiant História tem uma das mecânicas mais inovadoras e criativas, o que rendeu ótimos elogios por parte da crítica e dos jogadores.

Basicamente, os inimigos estão dispostos em um esquema quadriculado 3X3, ao estilo tabuleiro de xadrez. Cada personagem na batalha possui seu turno: os inimigos podem atacar, utilizar técnicas ou mudar sua posição no "tabuleiro", porém apenas uma dessas ações pode ser realizada durante cada turno. Já o grupo do jogador não possui esse tabuleiro, mas desfruta de técnicas que podem ou não afetar a posição de cada inimigo. Aliado a isso, durante o turno do personagem X, você pode trocar sua ordem de ação, utilizando o comando "change".


E é nesse ponto que o grande elemento estratégico do jogo surge.

Com o comando "change", você pode alterar a sequência de ações dos personagens entre si, que fica disposta na dela de cima do DS/3DS, ou entre aquele personagem específico e um inimigo. Ao utilizar o comando, o personagem que utilizou fica suscetível a golpes críticos do inimigo.

Mas aí você me pergunta: qual a vantagem de trocar a ordem dos turnos, se meus personagens vão ficar desprotegidos?

E é aí que eu te respondo, meu caro leitor: utilizar o comando "change" juntamente com habilidades que podem puxar, empurrar ou arremessar inimigos para o alto, podendo atingir mais de um inimigo por vez e criar combos bizarramente agressivos, seria, talvez, uma boa vantagem.

Essas habilidades brilham mesmo quando enfrentamos hordas de inimigos ao mesmo tempo. Dependendo das habilidades já desbloqueadas de cada personagem, além da estratégia aplicada pelo jogador durante seu turno, é possível atingir todos os inimigos da tela de uma só vez, alterando suas posições.

Por outro lado, quando enfrentamos alguns chefes ou inimigos individualmente, acaba que essa estratégia acaba se perdendo, e essas habilidades acabam perdendo a eficácia, servindo apenas como forma de realizar um dano físico mais baixo a custo de pontos de mana.

Obviamente, existem também outras habilidades mais clássicas, que causam dano físico, mágico, elemental, ou algum estado, como veneno. Além disso, existem itens capazes de causar algum estado no inimigo, se utilizados durante as batalhas.

Disposição dos inimigos no campo de batalha. Vale notar que alguns deles podem ocupar mais de um quadrante. Note também a seta vermelha, indicando que a habilidade "Right Assault" permite jogar o inimigo para o quadrante à direita dele.

Considerando todas essas informações, a impressão que passa é que Radiant História é um jogo fácil...

Lembremos, esse é um jogo da Atlus, meus caros colegas.

Por mais que as batalhas acabem se tornando relativamente rápidas, graças a possibilidade de atacar vários inimigos por vez, vale ressaltar que, para isso, é possível trocar os turnos com os próprios inimigos. Dessa forma, além dos heróis ficarem propensos a sofrer golpes críticos, você ainda permite que os inimigos ataquem primeiro. Ou seja, mesmo batalhas mais fáceis acabam rendendo um bom dano na equipe.

Esse é outro ponto bem forte do jogo: a gestão de recursos. No primeiro momento, você pode estranhar o quão pouca mana se gasta ao utilizar as habilidades dos personagens. Mas logo você se toca que será necessário utilizar várias delas diversas vezes ao decorrer das lutas, além de precisar curar os aliados outras tantas vezes. Junto a isso, os itens de cura não possuem um custo benefício tão agradável quanto a maioria dos RPGs.

É possível perceber, também, que em certos locais, principalmente em safe-zones, são dispostos dois ou até três save-points próximos uns dos outros. No entanto, em locais como dungeons ou mapas abertos, eles são mais escassos. Isso aliado ao design labiríntico dos mapas, acaba se tornando bem complicado, em alguns momentos, encontrá-los.

E, por mais que seja difícil, eles não fornecem uma grande esperança: apenas é possível recuperar completamente a party nesses lugares utilizando um cristal específico, que custa BASTANTE caro, se comprados com alguns NPCs específicos.

É óbvio, você pode sempre voltar para uma estalagem e pagar bem baratinho para passar uma noite, o que compensa bastante. Mas, para isso, é necessário atravessar completamente a dungeon atual, ou voltar todo o caminho, para assim ter acesso ao mapa mundi.


Eu admito, eu quis começar essa review um pouco diferente do que a maioria faz quando vão falar sobre esse game.

Acontece que, em muitos aspectos, Radiant História é comparado com um dos jogos mais influentes entre os RPGs, justamente o jogo que dá nome a este blog: Chrono Trigger.

O título da Atlus não só se inspirou, como bebe, e MUITO, da fonte de Chrono Trigger.

Muitas características podem ser associadas. A grande questão é que, mesmo com a clara inspiração, o RPG do DS em momento nenhum copia o clássico da Square. É tudo tão bem trabalhado, de modo a não só referenciar, como até mesmo a reverenciar um jogo que mudou completamente o patamar do gênero.

Ainda no aspecto das batalhas, uma característica que foi sim marcante em Chrono e que se repetiu em Radiant, é o fato de não existirem batalhas aleatórias: todos os inimigos são visíveis nos mapas.

Ainda acrescentando a essa mecânica, em Radiant é possível realizar um golpe nos inimigos antes de enfrentá-los, os atordoando e ganhando uma boa vantagem nos turnos iniciais, ou mesmo ajudando a escapar dos mesmos.

O grande problema disso é justamente o maior defeito do jogo: o level design.

Uma característica marcante de Chrono Trigger são seus mapas. Todos são bem trabalhados visualmente, além de que os inimigos são muito bem dispersos em suas áreas.

Já Radiant não consegue o mesmo. A mistura de cenários em três dimensões juntamente com sprites 2d, bastante comum no console, acabou gerando um certo desconforto, em mim pelo menos, no design das dungeons e na visualização dos inimigos.

Os mapas são muito vazios e pouco orgânicos. Muitas vezes são até repetitivos. Sem contar em um problema do original que foi consertado em seu relançamento: a falta de um mapa, tornando as caminhadas labirínticas ainda mais complicadas.


Além disso, os inimigos ficam bem desconexos nos cenários. Parecem artificiais de mais, o que causa certa estranheza na hora do tão famoso grinding.

Os inimigos, quando veem o jogador, começam a correr desesperadamente atrás do mesmo. Seu campo de visão é bastante amplo, o que muitas vezes se torna quase impossível de escapar das batalhas dessa forma (e, acredite, não tente fugir para depois acertar os inimigos com um golpe e ter vantagem na batalha, eles provavelmente te acertarão pelas costas muito antes do que imagina, o que te dará uma baita desvantagem).


Voltando a falar de Chrono, o principal aspecto que coloca os dois títulos na mesma categoria é a sua temática: viagem no tempo.

Mas, calma!

A abordagem de Radiant História é completamente diferente do game da Square.

Em Chrono Trigger, possuímos portais em locais específicos -isso enquanto ainda não temos a Epoch- para viajarmos entre diferentes eras da humanidade.

Já aqui, o conceito é bem menos grandioso, mas tão interessante quanto.

Para explicar melhor, preciso contar um pouco do início da história.

Tudo acontece no continente de Vainqueur, onde um misterioso fenômeno que está transformando tudo em areia está ocorrendo. Esse fenômeno é conhecido como desertificação.

Graças a isso, reinos já sucumbiram séculos atrás.

Então, guerras vem sendo travadas, disputando os poucos territórios férteis que ainda existem naquele continente.

Stocke é o melhor dos membros de inteligência de Alistel, uma poderosa nação que vive em guerra com Granorg. Ele é subordinado de Heiss, o chefe da inteligência, que o designa a uma missão, e o entrega um livro misterioso: o White Chronicle.

Durante a realização de sua missão, as coisas não ocorrem como o esperado, e após uma batalha contra Palomides, um poderoso soldado de Granorg, ele se vê ferido e sem esperanças.

É quando o misterioso livro reage a sua situação, e a grande mecânica do jogo se revela: o livro, na realidade, possui um tipo de "dimensão paralela", onde vivem os irmãos Lipti e Teo


Nessa dimensão, é possível rever momentos chaves da história, podendo voltar a eles e refazer decisões. Assim, nesses momentos, o jogo abre a possibilidade de tomar decisões que podem mudar o rumo dos acontecimentos. Dessa forma, os eventos se abrem em duas linhas temporais, no momento em que, após a conclusão dessa missão, Stocke deve decidir se continuará com a equipe de inteligência e se manter sob as ordens de Heiss, ou unir-se a seu antigo amigo Rosch, um dos líderes do exército de Alistel.

A partir desse momento, é necessário viajar entre as duas linhas temporais, concluindo sequencialmente os eventos e voltando a outra linha para adquirir alguma habilidade, item ou informação necessária para avançar na linha anterior.

Ambas avançam bem separadamente, o que acaba impedindo de confundir o jogador. Entretanto, as coisas não se mostram tão simples quando é revelado a existência de um Dark Chronicle.


A história avança de maneira bem interessante, o que prende a atenção do jogador. Stocke não é dos personagens mais carismáticos, mas uma coisa que incomoda parte dos jogadores é a "babação", com o perdão do termo, dos outros personagens a ele. Todos o amam e o acham incrível, mesmo ele não sendo lá um dos melhores protagonistas dos RPGs.

Outra crítica é com relação ao port para o Nintendo 3DS. Dentre várias mudanças, como a adição de dublagem e o acréscimo de novas missões, está na mudança da arte dos personagens. As artes originais eram bem mais bonitas e únicas, sendo que as novas tentaram trazer um traço de anime mais genérico. O maior problema, entretanto, é com relação à descaracterização de certos personagens, que mudaram completamente sua personalidade com a mudança de seu visual. A polêmica aumentou ainda mais quando a Atlus ofereceu as antigas artes juntamente de um pacote de DLC pago. 

Mas, apesar dos pesares, Radiant História é, pra mim, o principal RPG do Nintendo DS. Extremamente competente, conseguiu trazer a alma dos clássicos títulos da época de ouro do gênero em um momento em que jogos como ele estavam em baixa.

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